O surgimento da Sociologia formal no Brasil teve início a partir das décadas de 1920 e 1930, quando os estudiosos dessa área passaram a se dedicar a pesquisas que visavam construir um entendimento acerca da formação da sociedade brasileira analisando temáticas cruciais para essa compreensão. Assim, eles voltaram-se para estudos referentes a escravatura e a abolição, estudos sobre índios e negros e o êxodo rural, e mesmo analises sobre o processo de colonização.
O período foi crucial para discussões sobre os desequilíbrios
na sociedade brasileira, ainda mais devido à presença intensa dos ex-escravos nos grandes centros, sobretudo no Rio de Janeiro, devido a abolição da escravatura.
A ABOLIÇÃO E A QUESTÃO DA TERRA
A
abolição da escravatura trouxe o problema dos desprovidos. Os escravos libertos
eram agora cidadãos brasileiros sem terra, sem profissão, sem lar sem nada,
apenas com a liberdade, o direito e vagar pelo país. O resultado foi de um lado
o inchaço dos bairros pobres das grandes cidades, que culminou em crises
sociais e sanitárias, como se observou em casos como a Revolta da Vacina
(1904).
No
campo a calamidade dos negros livres se uniu a penúria dos pequenos
proprietários de terras. Com a República novos impostos foram criados, cobrança
que se somou à seca exaurindo os parcos recursos dos camponeses. O resultado
foi aquele é entendido como um dos primeiros movimentos campesinos sem-terra do
Brasil liderado pelo beato Antônio Conselheiro.
EUCLIDES DA CUNHA
É na cobertura desse evento que surge uma das primeiras obras formais sobre os problemas sociais brasileiros, Os Sertões de Euclides da Cunha.
Esta
obra evidencia o caráter cientificista do período. Divida em três parte, A
Terra, O Homem, A Luta, demonstra uma visão racional da sociedade,
matematicamente dividida e seguindo uma visão determinista, no caso o meio
ambiente, quando trata do tema a Terra.
Pode-se
considerar que, apesar das influências republicanas, Euclides da Cunha procura
fazer um relato realista do homem do sertão. Na sua procura por indivíduos
vítimas da seca e da alienação do fanatismo religioso, o que o autor acaba
relatando é que encontrou um povo forte, lúcido e bem organizado.
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não
tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro
lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno,
a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto.
Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar
sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação de membros
desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de
displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando
parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a
cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai
logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando,
mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança
celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço
geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo
mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeiramente
conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo
tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica
suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma
simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia
muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar
desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à
imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço
ilude.
Nada é mais surpreendedor do que vê-lo
desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos,
transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente
exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se.
Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e
a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar
desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa
instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura
vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de
um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e
agilidade extraordinárias.”(CUNHA, Euclides. Os Sertões.S. Paulo, 2. ed.,
Ática, 2000. p.48.)
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